Sexta-feira, dia 16 de março de 2012, o Brasil
perdeu um filho ilustre, em verdade, todos nós perdemos. Ab’Saber ao longo de
sua vida se dedicou ao estudo da Geografia e à defesa dos nossos recursos
naturais e meio ambiente. Ele revelou em um artigo logo após entrar na USP como
estudante que se apaixonou pela Geografia ao fazer observações sobre o relevo e
a vegetação no interior paulista quando de uma excursão da faculdade. Desde
então, passou a estudar mais a fundo as interações entre a ação da natureza e a
ação antrópica no meio natural. Seu interesse passou a ser geomorfologia,
tornando-se emérito nessa área. Também se destacou em outros estudos sobre
geologia, fitogeografia, ecologia e biologia evolutiva, desenvolvendo pesquisas
sobre estes temas. Reconhecido internacionalmente, entre outros prêmios, foi
agraciado em 2001 com o Prêmio Unesco para Ciência e Meio Ambiente. Nos últimos
anos vinha constantemente criticando o novo Código Florestal, que ainda tramita
no Congresso Nacional. Afirmava ele que toda e qualquer inovação passava
necessariamente pela proteção daquilo que a natureza nos dá e faz. Para ele, o
Código Florestal não contemplava – e não contempla – as características dos
biomas encontrados no nosso território e muito menos respeitava – e não
respeita – a importância das florestas para o equilíbrio do meio ambiente e o
resultado prático da agressão que o Código propõe é a destruição dos biomas.
Pelo que vemos, parece que nossos “representantes” no Congresso preferem não
ouvi-lo e sim seguir seus interesses mesquinhos e pessoais. Ab’Saber se tornou
consultor ambiental do PT e do ex-Presidente Lula, afastando-se posteriormente
por discordar dos rumos da política ambiental tomadas pelo governo, como o
apoio à usineiros e transposição do São Francisco. Também fez críticas sobre a
questão do aquecimento global. Embora não negando a sua existência, dizia que a
ação antrópica ainda não era suficientemente conhecida e estudada a fundo para
se dimensionar os efeitos.
Ab’Saber
desenvolveu o conceito de domínios
morfoclimáticos, associando as características climáticas e morfológicas
dos domínios. Ele enumerou seis domínios, separados por faixas de transição,
definindo os mesmos pelas características climáticas, botânicas, fitogeográficas,
pedológicas e hidrológicas. A caracterização dos domínios morfoclimáticos brasileiros é uma questão antiga. Na
década de 1960 foi feita uma publicação que apresentava uma classificação das
regiões morfoclimáticas brasileiras seguindo uma nomenclatura exclusivamente
fitogeográfica, o que restringia sua aplicação na distinção das verdadeiras
províncias morfoclimáticas. Na década de 1970, Ab’Saber, procurando compreender
a originalidade das grandes regiões naturais do país, percebeu que a mera
classificação fitogeográfica era insuficiente. Assim, ele individualizou os
domínios levando em conta as particularidades bem definidas dos mesmos e que os
diferenciam, como por exemplo, a província
fitogeográfica, a atuação das massas de ar, as regiões climáticas e o modelado
do relevo. Mesmo que hoje sejam utilizados novos critérios para o estudo da
compartimentação do relevo brasileiro, o estudo dos domínios morfoclimáticos
continua atual e que permite entender a interação das paisagens naturais.
Domínio
amazônico
Está
sob o domínio da massa de ar equatorial continental, na faixa de convergência dos alísios – daí o clima
equatorial -, o que implica intensa
pluviosidade. O que mais marca esse domínio é a floresta Amazônica (Hiléia), tida como floresta tropical chuvosa
ou floresta equatorial, latifoliada
e de grande biodiversidade.
Portanto, é um ambiente próprio para o intemperismo
químico e biológico. Nela está a bacia hidrográfica do rio Amazonas e os rios amazônicos são diretamente
responsáveis por processos de erosão e
sedimentação. A riqueza hidrográfica da região apresenta rios de coloração
diferente, por assim dizer. São rios de
água preta – nascidos em áreas florestadas com solos intensamente
lixiviados (rio Negro); rios de águas
claras – cuja cabeceira está em áreas mais elevadas de estrutura cristalina
(rio Tapajós); e rios de águas barrentas
– que se originam nos Andes e que apresentam elevada carga de materiais em
suspensão resultantes do trabalho erosivo, sendo ricos em nutrientes (rio Amazonas).
Quanto aos solos, temos a presença
de argilas lateríticas sem a formação de
crosta, sendo os mesmos pouco
espessos e ácidos. A riqueza dos solos está justamente na cobertura
vegetal, que origina matéria orgânica decomposta. Daí que o desmatamento é uma grande ameaça a esse
ecossistema. Quanto ao relevo amazônico, por muito tempo achou-se que a
Amazônia fosse uma grande planície. Hoje sabemos que apenas 5% da área é
composta por planícies, notadamente ao longo do rio Amazonas. Temos a presença
de estruturas sedimentares em planaltos baixos, depressões e as porções
elevadas de estrutura cristalina do planalto norte-amazônico (o escudo das
Guianas). Por fim, é o maior bioma
brasileiro.
Domínio do
cerrado
Segundo maior bioma, abrange terras do
Brasil central. Está sob a atuação da massa de ar equatorial, da tropical
marítima (que perde boa parte de sua umidade no litoral, penetrando mais
estável), da tropical continental e da polar atlântica, que eventualmente chega
lá. Daí a alternância de um período chuvoso
(verão) e outro seco (inverno), o
que caracteriza o clima tropical típico.
No que diz respeito aos solos, há
formação de argilas lateríticas no
período de chuvas, sendo que no período seco há o encrustamento, o que origina
o solo laterítico ou crosta. São solos ácidos que requerem técnicas
corretivas, como a calagem, para que
a agricultura possa se desenvolver. A vegetação
típica apresenta um extrato
herbáceo-arbustivo, com vegetais adaptados
à sazonalidade das chuvas e com
áreas de solo exposto. A chuva tem impacto direto sobre o solo, não sendo
absorvida por ele e ocasionando um escoamento superficial que provoca sulcos e
ravinamento. O processo de intemperismo
mais importante é o físico, quando a
rocha é desagregada pela diferença térmica. No período chuvoso temos o intemperismo
químico e bioquímico, que decompõem os minerais já desagregados. Ao longo
dos cursos fluviais temos a presença de matas
ciliares (matas galerias) e nos lugares mais úmidos desenvolve-se o cerradão, com árvores de maior porte.
Quanto ao relevo, encontramos
superfícies aplainadas, com a presença de chapadas
(planalto sedimentar típico que apresenta um acamadamento estratificado e
constituído em grande parte por camadas de arenito), planaltos residuais, depressões
e extensas planícies fluviais, como
as dos rios Araguaia e Tocantins. A rede hidrográfica tem baixa densidade, mas
é no cerrado que estão as nascentes
dos rios das principais bacias hidrográficas brasileiras: Amazonas, Paraná e
São Francisco.
Domínio dos
mares de morros
São
chamadas de mares de morros as formas mamelonares resultantes do processo químico que retira as arestas
das formas de relevo primitivas, arredondando-as. É típico em áreas de estrutura geológica cristalina com influência do clima tropical úmido, com intemperismo químico e bioquímico. Uma
forma constante presente é de pães-de-açúcar
(domos de esfoliação), que constituem vertentes íngremes e fazendo com que o
material intemperizado desça, expondo a rocha. Sofre a influência direta da massa tropical marítima, com intensa
pluviosidade. Também temos a presença de planícies
litorâneas, formadas no período quaternário da era Cenozóica. As áreas mais elevadas, de estrutura
cristalina, são de escudos antigos,
escarpadas e que se originaram de falhamentos
causados por tectonismo há milhões de anos. As serras presentes servem como divisores
de águas e determinam o traçado dos rios (os principais são o Grande, o
Paraíba do Sul, Doce e Tietê). A vegetação
original era a Mata Atlântica,
intensamente devastada por processos de urbanização e atividades agrícolas, não
sendo hoje o principal determinante do domínio. Pouco resta da mesma, mas de
qualquer maneira, o que restou nos mostra sua imensa biodiversidade, por sua densidade e heterogeneidade. Como
apresenta um clima tropical úmido, com boa pluviosidade – concentrada no verão
– há o risco de constantes desmoronamentos de encostas. Nas áreas mais elevadas
temos também a presença de campos de
altitude, onde domina o clima
tropical de altitude, o que pode ocasionar, mesmo que raramente,
precipitação de neve, como o ocorrido no maciço do Itatiaia.
Domínio da
caatinga
A
caatinga é a formação básica desse
domínio. É uma vegetação adaptada ao
clima seco (tropical semi-árido) e
que apresenta raízes profundas
(xerófitas) em solos rasos. A rede
hidrográfica é intermitente (rios temporários) e os leitos são rasos, o que
pode ocasionar enchentes quando do período chuvoso. Nas áreas mais elevadas, sujeitas às chuvas de relevo no interior do
domínio, temos a presença de brejos,
áreas mais úmidas. Em razão da escassez de chuvas pela irregular atuação das
massas de ar, o balanço da evapotranspiração
é negativo, isto é, na maior parte do ano a evaporação é maior que a
precipitação. Por ser uma região mais seca, o processo de intemperismo dominante é o físico,
com desagregação mecânica das rochas e o escoamento é superficial. A estes
processos soma-se o intemperismo bioquímico. A desagregação mecânica resulta da
intensidade da insolação sobre as rochas e da amplitude térmica entre o período
diurno e o noturno. Nas regiões semi-áridas (sertão nordestino, Polígono das
Secas), a vegetação é aberta, o que favorece a lavagem superficial dos solos
resultando em extensos pedimentos
(formação resultante do material transportado pelas encostas das vertentes que
se depositam em forma de leque) e inselbergs
(resultantes da erosão diferencial, são morros e maciços isolados formados por
rochas remanescentes de um clima mais árido). Pela escassez de chuvas, pela
natureza dos solos e da vegetação, temos um domínio muito suscetível a processos de desertificação. A ocupação
humana potencializa o processo através de atividades agrícolas irrigadas,
pastoreio e mineração, fragilizando ainda mais o ecossistema.
Domínio das
araucárias
Está
situada na porção sul do território
brasileiro, sobre a Bacia do Paraná,
com clima subtropical úmido que se
caracteriza por maiores amplitudes térmicas, chuvas bem distribuídas com
máximas no inverno, com ocorrência de geadas e podendo haver precipitação de
neve nas áreas mais elevadas do planalto. A mata de araucária (subtropical) que se desenvolve sobre o planalto
está associada aos solos férteis
resultantes da decomposição do basalto,
porém, são solos ácidos. A colonização agrícola se encarregou de
transformar a mata em áreas de cultivo ou de extração de madeira. A estrutura
geológica do planalto é sedimentar-basáltica
e as formas de relevo abrangem planaltos
e chapadas. A hidrografia apresenta
duas grandes bacias: a do Paraná e a do Uruguai, com grande potencial hidrelétrico
e grande aproveitamento do mesmo.
Domínio dos
campos
Também
podem ser chamados de pradarias,
correspondendo ao extremo sul do país,
com clima subtropical úmido. É a campanha gaúcha ou pampa. As atividades
agropecuárias são bem desenvolvidas. A pecuária em razão de campos
levemente ondulados (coxilhas). A agricultura em razão do solo de brunizens, resultantes da decomposição de rochas ígneas e
sedimentares. O relevo é dominado
por coxilhas, pequenas colinas
arredondadas, típicas da depressão riograndense, sendo as mesmas recobertas por
uma vegetação rasteira e herbácea
(gramíneas). Nas partes mais baixas das vertentes das coxilhas, onde ocorre
afloramento de água, existem formações arbóreas chamadas capões, e também matas-galeria
ao longo dos cursos fluviais. No sudoeste gaúcho temos a Cuesta do Haedo (cuesta é uma forma de relevo dissimétrica,
constituída de um lado por um perfil côncavo ou convexo (frente ou front da
cuesta) e de outro por um planalto suavemente inclinado). Os rios do domínio ou correm em direção ao
rio Uruguai (Bacia do Uruguai) ou em direção ao rio Jacuí (Bacia do Sudeste).
Faixas de
transição
As
faixas de transição são áreas onde coexistem elementos de dois ou mais domínios
morfoclimáticos, ou seja, onde há a interação desses elementos sem caracterizar
um domínio específico. São os ecótonos.
Como destaque, temos o Pantanal Mato-grossense e a Mata dos Cocais. O Pantanal está na região de atuação do clima tropical típico, em uma extensa
planície ligada à Bacia do Paraguai.
Os terrenos têm pouca declividade e
na época das chuvas alagam suas margens e além das mesmas, tornando o pantanal
a maior planície inundável do mundo.
Os rios que drenam a região trazem
um grande fluxo de nutrientes, sendo
responsáveis pela diversidade e
densidade da fauna. Os solos são
alagadiços e de baixa fertilidade, predominado a atividade pecuária. A
vegetação do Pantanal é tida como complexa e heterogênea e apresenta
características presentes nos demais domínios. Os grandes problemas desse ecossistema são: a atividade pecuária que
permite a disseminação de doenças para a vida silvestre, a caça predatória e o
contrabando associado e o desmatamento, assoreando os rios, o que acaba por
ampliar as áreas de inundação ameaçando a fauna. A Mata dos Cocais está situada entre os estados do Maranhão e Piauí,
sendo a transição dos domínios amazônico, dos cerrados e da caatinga. A principal atividade econômica está no extrativismo vegetal de babaçu e
carnaúba.
No que diz respeito ao relevo
brasileiro, compartimentou o relevo basicamente entre planaltos e planícies,
caracterizados por superfícies expostas respectivamente a processos erosivos e
de deposição; as unidades receberam denominações regionais, e não geológicas,
sem que se desconsiderasse a importância do estudo das rochas para a
caracterização de cada uma delas; os Planaltos de estrutura sedimentar
apresentam muitas chapadas (formas de relevo moldadas em rochas sedimentares,
do que resulta a feição tabular, a superfície mais ou menos plana e encostas
abruptas); já as elevadas altitudes do Planalto das Guianas e das serras e
planaltos do Sudeste se explicam pela intensa atividade tectônica antiga e pela
presença de rochas cristalinas, mais resistentes à erosão; a classificação de
Ab’Saber foi elaborada com base na
estrutura geológica e na influência dos climas atuais sobre a atuação dos
processos geomorfológicos.
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